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quarta-feira, 3 de junho de 2015

A BATALHA DOS CORPOS PARTE II

Sexismo e misoginia no judaismo, como a sociedade constrói sujeitos machistas sob a égide do patriarcado.


No Judaísmo há a diferença nas orações diárias matinais. Os homens oram : " Bendito sejas Tu, Eterno, nosso Deus, Rei do Universo que não me fizeste mulher ". As mulheres oram: Bendito sejas Tu, Eterno, nosso Deus, Rei do Universo, que me fizeste segundo a Tua vontade". Horrível não ? 

Tradução: Homens única entrada, para as mulheres é estritamente proibida

Essas bênçãos fazem parte da liturgia tradicional judaica dentro do conjunto de "agradecimentos a Deus" conhecido como "Bênçãos matinais" e que são recitadas toda manhã ao despertar. Essas bênçãos não são consideradas problemáticas apenas para a nossa geração, posterior à "revolução feminina", mas incomodaram também as gerações que nos precederam. E as explicações ou "soluções" tentadas em diferentes épocas não foram suficientemente convincentes. 

A história dessas bênçãos - e as reações que geraram em mulheres e homens judeus - poderia servir de roteiro do lugar das mulheres dentro do Judaísmo em diferentes momentos históricos. No Talmud de Babilônia - Tratado "Menachot" 43 B está escrito:
 O Rabi Meir disse: O homem deve recitar três bênçãos cada dia, e elas são: Que me fizeste (do povo de) Israel; que não me fizeste mulher; que não me fizeste ignorante. 

Segundo o rabino contemporâneo Joel H. Kahan  , essa bênção se originou do dito helênico popular, citado por Platão e Sócrates, que diz:
 Há três bênçãos para agradecer o destino: A primeira - que nasci ser humano e não animal; A segunda - que nasci homem e não mulher; A terceira - que nasci grego e não bárbaro. 

Mesmo que a ordem não seja exatamente a mesma - e os gregos agradeciam ao destino e os judeus, a D-us -, a semelhança é flagrante: o agradecimento grego pelo fato de "ser humano" tem seu paralelo judaico em "não ser ignorante"; "não ser bárbaro" era para os gregos tão importante quanto para os judeus agradecer por ser parte do povo de Israel; e "ser homem e não mulher" era central em ambas as culturas, onde a mulher ocupava um lugar secundário, especialmente na vida pública. 

Apesar de, na época bíblica, a mulher participar ativamente de todas as manifestações da vida social  , política, econômica e religiosa, ela desaparece do cenário público no período talmúdico (século III a século VI da Era Comum). Essa concepção do lugar da mulher na sociedade judaica na época do Talmud  época na qual foram estabelecidas as regras do dia-a-dia judaico, baseadas na interpretação e análise dos textos bíblicos pelos rabinos (exclusivamente homens) , recebe influência direta da antiga sociedade grega em que estava inserida. Nela, a mulher praticamente não tinha vida social, já que estava afastada dos lugares e acontecimentos públicos, entre eles, os religiosos.

Os Sábios do Talmud interpretaram o versículo "Toda a glória da filha do rei na sua casa" (Salmo 45:14), ensinando que a honra de uma mulher exige que ela fique na sua casa, cumprindo sua função essencial de ter filhos e de facilitar ao seu marido o cumprimento dos preceitos. Seguindo essa lógica, as mulheres eram definidas pelo aspecto biológico, como mães procriadoras; do ponto de vista sociológico, eram dependentes, primeiro do pai e depois do marido; e, sob o prisma psicológico, eram incapazes de dedicar-se a temas tidos sérios ou importantes, exclusivos dos homens. Portanto, a presença de uma mulher num lugar público na rua, no mercado, nos Tribunais, nas casas de estudo, nos eventos públicos ou nos cultos religiosos, era considerada uma ofensa à sua dignidade de mulher.

Os movimentos ortodoxos, segmentos mais tradicionalistas do Judaísmo, não admitem a formação de mulheres como rabinas, baseando-se na crença de que a Halachá (o conjunto de leis judaicas) é imutável, e que, como não houve rabinas no passado, não deveria haver no presente ou no futuro. E, embora haja mulheres ortodoxas que anseiam por uma ação mais participativa no seio da religião, esbarram nas proibições dos seus rabinos que citam fontes cuja interpretação desemboca na proibição

As comunidades judaicas estão dividida por limites aos gêneros e danificada pelo sexismo. 

Os homens judeus sempre tentaram compensar seu poder menor em relação aos outros homens exercendo autoridade sobre "suas" mulheres. Na vida judaica institucionalizada, isso toma a forma, por exemplo, de exclusão das mulheres de rituais e do ofício de rabino, de não contar as mulheres no minian, de desigualdades no divórcio e em outras leis, de um reconhecimento inadequado do trabalho voluntário da mulher e muitas outras injustiças.

O que me pergunto é: por que seguimos a risca livros escritos há 2 mil anos, escritos em contextos políticos e sociais tão diferentes de hoje? Por que somos literais em alguns aspectos e seletivamente complacentes em outros ?
Estas duas perguntas rendem livros, claro. E creio que cada um que opta por ter religião a responda em seu íntimo, na liberdade de sua profissão de fé. E que o façam sem esquecer que o Estado é laico e regido por leis terrenas. Gostando ou não.


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