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quarta-feira, 3 de junho de 2015

A BATALHA DOS CORPOS PARTE I

Sexismo e misogínia no cristianismo, como a sociedade constrói sujeitos machistas sob a égide do patriarcado.

Basta dar uma rápida olhada nos textos escritos pelos primeiros cristãos para perceber como era forte a visão da mulher como “isca de Satanás” e “portão do diabo”. Cipriano (bispo do séc. III), por exemplo, dizia que os demônios ensinaram as mulheres.
a pintar os olhos espalhando uma substância negra ao seu redor, e a tingir as bochechas com um enganoso vermelho, e a mudar o cabelo com cores falsas, e a expulsar toda a verdade do rosto e da cabeça com o ataque de sua corrupção (Do vestuário das virgens, 14).

A escritura cristã proclama: “A mulher aprenda em silêncio, com toda a sujeição. Não permito, porém, que a mulher ensine, nem use de autoridade sobre o marido, mas que esteja em silêncio” (I Timóteo 2:11-12). Na igreja, Deus designa papéis diferentes a homens e mulheres. Isto é resultado da forma como a humanidade foi criada (I Timóteo 2:13) e da forma pela qual o pecado entrou no mundo (II Timóteo 2:14). Deus, através do Apóstolo Paulo, restringe as mulheres de exercerem papéis de ensino e/ou autoridade espiritual sobre os homens. Isto impede as mulheres de servirem como pastoras, o que definitivamente inclui pregar, ensinar e ter autoridade espiritual sobre os homens.

Há muitas “objeções” a esta visão de mulheres no ministério. Uma objeção comum é que Paulo  restringe as mulheres de ensinar porque, no primeiro século, as mulheres tipicamente não possuíam uma educação formal. Entretanto, I Timóteo 2:11-14 em nenhum momento menciona a posição acadêmica. Se a educação formal constituísse uma qualificação para o ministério, a maioria dos discípulos de Jesus provavelmente não teria sido qualificada. Uma segunda objeção comum é que Paulo restringiu apenas as mulheres de Éfeso de poderem ensinar (I Timóteo foi escrito a Timóteo, o qual era pastor da igreja em Éfeso). A cidade de Éfeso era conhecida por seu templo a Ártemis, a  Deusa greco-romana. As mulheres eram a autoridade na adoração a Ártemis. Entretanto, o livro de I Timóteo em momento algum menciona Ártemis, tampouco Paulo menciona a adoração a Ártemis como razão para as restrições em I Timóteo 2:11-12.

Uma terceira objeção comum é que Paulo estivesse se referindo apenas a maridos e esposas, não a homens e mulheres em geral. As palavras gregas em I Timóteo 2:11-14 poderiam se referir a maridos e esposas, entretanto, o significado básico das palavras se refere a homem e mulher. Além disso, as mesmas palavras gregas são usadas nos versículos 8-10. Apenas os maridos devem levantar as mãos santas em oração sem iras ou contendas (verso 8)? Somente as esposas devem se vestir com recato, com boas obras e adoração a Deus (versos 9-10)? Claro que não! Os versículos 8-10 se referem claramente a homens e mulheres em geral, não apenas a maridos e esposas. Não há nada no contexto que possa indicar uma mudança para maridos e esposas nos versos 11-14.

Mais uma objeção frequente a esta interpretação sobre mulheres no ministério é em relação a mulheres que ocupavam posições de liderança na Bíblia, principalmente Miriã, Débora e Hulda no Antigo Testamento. Esta objeção falha em perceber alguns fatores relevantes. Primeiro, Débora era a única juíza entre 13 juízes homens. Hulda era a único profeta mulher entre dúzias de profetas homens mencionados na Bíblia. A única ligação de Miriã com a liderança era por ser irmã de Moisés e Arão. As duas mulheres mais importantes do tempo dos reis foram Atalia e Jezabel

Inicialmente o cristianismo era um movimento milenar que pregava a salvação das almas. Para se prepararem para o juízo final, que não viria longe, muitos abandonavam bens, profissões, não casavam para se juntarem ao movimento, juravam castidade, ou mesmo, quando casados, levavam vidas de abstinência sexual.

Não foi por mero acaso que as hostes cristãs foram engrossadas, sobretudo por mulheres e escravos, socialmente marginalizados, eram quem tinha mais a ganhar com este tipo de moralidade sexual. Para mulheres de todas as classes sociais o celibato era quase uma bênção, pois representava uma possibilidade de liberdade que, de outro modo, não podiam antever. Se a sexualidade impunha e reforçava a hierarquia social e um estatuto desigual, evitar a sexualidade negá-la, equivalia em certo sentido a negar essa desigualdade:

” Para escravos e mulheres de todas as classes, no mundo antigo, a escolha do celibato significava uma liberdade que de outra maneira não conseguiriam. Escapar à sexualidade significava libertar-se de um estatuto servil no qual mulheres e escravos viviam para conveniência dos maridos, pais, senhores, e governantes.” (Hard Bargaisn)

Claro que, como a autora de Hard Bargains insiste, o celibato só apresentou esta vantagem para as mulheres porque era defendido num contexto de desvalorização do físico e de enaltecimento do espiritual, se este não tivesse sido o contexto, as mulheres seriam desvalorizadas e ainda ficariam mais a mercê dos homens porque só seriam vistas como necessárias no contexto do casamento heterossexual. Mas esta moral igualitária veio a ter de fazer concessões à sociedade real, afinal o "mundo" não acabava, como os milenaristas profetizavam, e os sacríficios perdiam sentido. Assim, quando finalmente o cristianismo se transformou na religião oficial do Império Romano do Ocidente, teve de fazer concessões politicas e de se harmonizar com os interesses da sociedade patriarcal, retirando completamente às mulheres alguma autonomia ou vida pública que inicialmente lhes conferira.


Não deixa todavia de ser interessante saber que potencialmente, até em relação às mulheres, o cristianismo se assumiu como uma ideologia progressista, pena é que rapidamente tenha degenerado, colocando-se ao serviço dos senhores de sempre.

“lógica da dominação masculina”. “O homem se autocompreende como quem ‘é’, sendo que as mulheres, nas visão machista, ‘não são’. Nesta lógica, que é a do que ainda podemos chamar de ‘patriarcado’, os homens se entendem como ‘sujeitos’ e as mulheres, como ‘objetos’. Pode parecer engraçado, mas para um homem machista esse tipo de campanha soa como ‘pedras estão falando’. As mulheres não têm o direito de denunciar essa lógica. Se o fazem são tratadas mal porque atrapalham o silêncio, que é uma arma importante da lógica da dominação masculina no seu processo de automanutenção
Marcia Tiburi 

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