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terça-feira, 26 de maio de 2015

O Holocausto manicomial: trechos da história do maior hospício (Campo de concentração) do Brasil!

Por Thayara Castelo Branco

Sessenta mil mortos [1]. Esse é o resultado do tratamento manicomial executado no Hospital Colônia de Barbacena/MG [2]. Fundado em 1903 com capacidade para 200 leitos, o hospital contava com uma média de 5.000 mil pacientes em 1961 e ficou conhecido pelo genocídio em massa ocorrido especialmente entre as décadas de 60 e 80. Trens com vagões lotados [3] (chamados de “trens de doido”), semelhantes aos dos campos de concentração alemães, despejavam diariamente os “dejetos humanos” para “tratamento” no hospital.


“Lá suas roupas eram arrancadas, seus cabelos raspados e, seus nomes, apagados. Nus no corpo e na identidade, a humanidade sequestrada, homens, mulheres e até mesmo crianças viravam “Ignorados de Tal; (…) comiam ratos e fezes, bebiam esgoto ou urina, dormiam sobre capim, eram espancados e violentados até a morte”[4]. 


Estima-se que cerca de 70% dos internados não tinham qualquer diagnóstico de doença mental. O hospital era destinado para a contenção dos indesejáveis, com função de higienização e sanitárismo da localidade, ou seja, sob as bases da teoria eugênica [5] eram enviadas “pessoas não agradáveis e incômodas” para alguém com mais poder, como opositores políticos, prostitutas, homossexuais, mendigos, pessoas sem documentos, epiléticos, alcoolistas, meninas grávidas e violentadas por seus patrões, esposas confinadas para que o marido pudesse morar com a amante, filhas de fazendeiros que perderam a virgindade antes do casamento, entre outros grupos marginalizados na sociedade. Em resumo: era preciso livrar-se da escória, do mal social e do incômodo em um local onde ninguém pudesse ter acesso. Era a barbárie humana.



 Urubus permaneciam frequentemente no local por causa do odor de putrefação de corpos


“Os pacientes da Colônia morriam de frio, de fome, de doença. Morriam também de choque. Em alguns dias os eletrochoques eram tantos e tão fortes que a sobrecarga derrubava a rede do município. Nos períodos de maior lotação, 16 pessoas morriam a cada dia e ao morrer, davam lucro. Entre 1969 e 1980, mais de 1.800 corpos de pacientes do manicômio foram vendidos para 17 faculdades de medicina do país, sem que ninguém questionasse. Quando houve excesso de cadáveres e o mercado encolheu, os corpos passaram a ser decompostos em ácido, no pátio da Colônia, na frente dos pacientes ainda vivos, para que as ossadas pudessem ser comercializadas” [6].
 

E assim, dos ditos “loucos” enclausurados no Colônia, o Estado comia e roía até os ossos!
O psiquiatra italiano Franco Basaglia[7], pioneiro na luta antimanicomial na Itália, esteve no Brasil e conheceu o Colônia em 1979. Na ocasião, chamou uma coletiva de imprensa e desabafou: “Estive hoje num campo de concentração nazista. Em lugar nenhum do mundo, presenciei uma tragédia como essa”[8].

Os números exorbitantes e silenciados (por mais de 50 anos) das execuções sumárias, frias e violentas que ocorreram no hospital Colônia de Barbacena superam, e muito, as mortes registradas e ocultadas na ditadura militar brasileira (dentre índios, camponeses, perseguidos políticos, etc.). Superam inclusive os números das mais sangrentas ditaduras da América Latina, Chile com mais de 40 mil e Argentina com mais de 30 mil mortos. Que Estado de Direito atual é esse? Como se pode permitir a prática e a ocultação desse genocídio por mais de 50 anos sem uma resposta estatal efetiva e humanizada para essas vítimas e seus familiares? 


 Diante desse cenário nos parece claro o que Foucault [9] chamou de “emergência das técnicas de normalização”. Que são poderes não somente entendidos como efeito de conexão entre saber médico, judiciário e político, mas que se constituiu com autonomia e regras próprias, atravessando e estendendo sua soberania em toda a sociedade, sem se apoiar exclusivamente em nenhuma instituição específica. Os poderes de normalização utilizam um discurso que não se organiza apenas em torno da perversidade, mas do medo, da moralização, da contenção e da hipocrisia.  

Hoje restam menos de 200 sobreviventes da Colônia. Alguns deles estão e ficarão internados até o fim da vida porque não conseguem estabelecer vínculos sociais, em decorrência dos excessos de torturas e traumas sofridos no hospício e por não terem mais nenhum contato familiar. Outros sobreviventes foram transferidos para residências terapêuticas em busca de dignidade humana e para reaprender a tomar posse de si mesmos. O certo é que os que não morreram de fato morreram em essência, em alma, como pessoa humana. Não há muito que ser feito para recuperar essas estruturas já mortificadas.


Nesse quadro esquizofrênico tem-se: um Estado apático, omisso, permissivo, perverso, autorizador e co-autor dessa eterna história manchada de muito sangue e horror.  A sociedade, por sua vez, em alguns poucos momentos sensibiliza-se com outras tragédias da história mundial, mas desconhece o que ocorreu no seu quintal, às suas vistas. Enquanto micropoderes de normalização, quando sabem da sua história, usam o seu confortável tapa-olho fingindo não fazer parte disso ou pior, seus silêncios aplaudem e validam a eliminação dos indesejáveis sociais (até hoje), afinal, louco bom é louco morto, né?

E enquanto isso na sala de justiça o vazio e a mudez dos inocentes gritam por liberdade e humanidade nas inúmeras masmorras psiquiátricas existentes pelo país afora.

Vídeo do campo de concentração de Barbacena/ MG.





Thayara Castelo Branco é Advogada. Mestre e Doutoranda em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com área de pesquisa em Violência, crime e Segurança Pública. Email: thaybranco@yahoo.com.br


 Referencias

[1] Os 60 mil mortos estão enterrados no Cemitério da Paz, construído junto com o Hospital Colônia no início do século XX, cuja área pertence à Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais. Está desativado desde a década de 80 e a explicação do psiquiatra Jairo Toledo, que respondeu pela direção do centro Hospitalar Psiquiátrica de Barbacena até março de 2013, é que o terreno está saturado. (ARBEX, Daniela. Holocausto brasileiro – vida, genocídio e 60 mil mortes no maior hospício do Brasil. São Paulo: Geração Editorial, 2013. P. 65).
[2] Sobre o manicômio de Barbacena, ver o documentário “Em nome da razão”, de Helvécio Ratton, filmado em 1979, que se tornou o símbolo da luta antimanicomial. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=07p3y-OLDAA
Outro documentário mais recente também trata da mesma questão, denominado “Dos loucos e das rosas”, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=dQMIUqj6tPw
[3] Além do trem muitas pessoas chegavam ao hospital de ônibus ou em viaturas policiais. Várias requisições de internações eram assinadas por delegados, isso porque, antes do Hospital Colônia, muitas pessoas que se achava ter sofrimento psíquico em MG eram colocadas em cadeias publicas ou Santas Casas de Misericórdia.
[4] ARBEX, Daniela. Holocausto brasileiro – vida, genocídio e 60 mil mortes no maior hospício do Brasil. São Paulo: Geração Editorial, 2013. P. 14.
[5]  O interessante é que o fundamento eugênico para consubstanciar as práticas do Hospital Colônia, nem sequer, coadunava-se com a teoria eugênica desenvolvida no Brasil no início do século XX, muito menos com a teoria nazista de Hitler. Isso porque, “o movimento eugênico brasileiro do início do século XX, apostava em medidas preventivas para o melhoramento da raça, como: (a) higienização da população por meio do exame e do certificado pré-nupcial; (b) esterilização dos anormais. E não eram só negros e mestiços que ofereciam riscos para o futuro da nação, mas os “anormais” e todos os pobres, que sempre foram responsáveis pela miséria moral e material e agora, pela degeneração da espécie. Em resumo, a grande preocupação dos médicos cientistas era com as elites, na reformulação da organização familiar (de origem colonial). O projeto científico evolucionista era assegurar uma prole sadia, evitando a reprodução das taras hereditárias que também degeneravam as raças “(LOBO, Lilia Ferreira. Os infames da história: pobres, escravos e deficientes no Brasil. Rio de Janeiro: Lamparina, 2008. pp. 203-204).
Ou seja, no caso do Hospital Colônia não havia nenhum interesse em melhoramento da raça brasileira. O que se executava naquela instituição total ia para além da brutalidade humana, tratava-se de extermínio puro e simples, no contexto mais desumano e genocida possível. Inocuizava-se e matava-se pelos motivos mais abomináveis.
[6] ARBEX, Daniela. Holocausto brasileiro. P. 14.
[7] Sobre Franco Basaglia, dentre outras obras, indica-se: BASAGLIA, Franco. A instituição negada. Rio de Janeiro: Graal, 1985.
[8] ARBEX, Daniela. Holocausto brasileiro.p. 15.
[9] FOUCAULT. Michel. Os anormais. São Paulo: Martins Fontes, 2001. P. 32.







segunda-feira, 25 de maio de 2015

Violência em nome de Buda

A violência típica do mundo administrado e a resistência à barbárie Parte I

Onda de refugiados gerada por extremistas de religião pacifista em Mianmar surpreende planeta





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 Genocidio ?
Massacre ?
Intolerância ?
Infanticidio ?
Feminicidio ?

Afinal radicalismo são atos protagonizados apenas por grupos minoris religiosos, ou é uma atitude bestializada de pessoas sem conhecimento e  psicoticas ?

Abandonados em barcos sem rumo, membros de uma minoria muçulmana expulsa de Mianmar por monges radicais são personagens centrais de uma crise humanitária que põe à deriva também a convicção do senso comum de que o budismo está sempre associado ao pacifismo. Milhares de homens, mulheres e crianças rohingyas teriam sido impelidos para o alto-mar e carregados por meses em barcos de pesca, com pouca comida ou água sobretudo por um conflito ligado à ascensão do extremismo budista no país do Sudeste Asiático. O conflito põe em evidência recentes trabalhos acadêmicos que estudam a violência no budismo. Especialistas avaliam que, embora tradicionais textos da religião preguem a não violência, o uso da agressividade por grupos de monges é bem mais frequente do que poderiam prever os ensinamentos de Buda. Adeptos de distintas linhas praticadas no Brasil, por sua vez, reafirmam o valor da tolerância.




Trata-se mais de propaganda que o budismo é relacionado ao pacifismo. A mídia ocidental e Hollywood têm nos alimentado de uma imagem tranquila de um “budismo kung-fu”, mas, na realidade, o budismo é tão propenso à corrupção como qualquer outra religião. Monges budistas atuais estão longe dos ensinamentos de Buda, que pregam a igualdade e a não violência dispara Sufyan bin Uzayr, escritor especialista em assuntos estrangeiros e autor do blog "Political Periscope", em que publicou texto sobre o assunto.

Para Uzayr, a principal causa da eclosão do atual embate é a emergência de um discurso a favor de uma pretensa pureza racial.
Eles (extremistas de Mianmar) sequer chamam o rohingya de "rohingya", mas de "bengalês", alegando que deveriam se mudar para Bangladesh e deixar Mianmar. Muitos monges birmaneses pensam que o país pertence somente a eles. Outra causa (do conflito) são as falsas fronteiras que foram desenhadas pelos colonialistas britânicos. Os estados de Arakan, Rakhine e outros deveriam ter sido declarados independentes, mas foram fundidos à Birmânia (antigo nome de Mianmar) opina.
Ele acrescenta que o governo do país, em que os budistas chegam a 90% da população e há mais de 500 mil monges, legitimou a ação de extremistas ao aprovar leis que proibiram membros da minoria muçulmana de terem filhos sem a permissão do Estado e que lhes negaram o direito a educação e saúde. Uma petição assinada por 1,3 milhão de pessoas pregaria a eliminação dos muçulmanos no país.

Frank Usarski, professor de Ciências da Religião da PUC-SP, reforça que é crescente o número de pesquisas sobre violência e budismo:
Esses estudos relativizam a imagem do budismo como ultrapacifista. A ideia principal que prega é a não violência, mas a religião é praticada por seres humanos e já estamos três mil anos depois de Buda.

Como exemplo recente ele cita a apropriação de argumentos religiosos na Guerra Civil do Sri Lanka, iniciada na década de 1980. Ao reagir contra os Tigres Tâmeis, organização separatista que lutava pela independência de um território da minoria étnica tâmil, parte da maioria budista cingalesa adotou o discurso da manutenção de uma suposta autenticidade do budismo no país, atacando hindus e muçulmanos. O professor explica que crônicas dos séculos V e VI que falam sobre o recurso a ações bélicas para manter a pureza da religião foram usadas por monges radicais como argumento para convencer leigos. A guerra civil terminou em 2009 com a derrota dos separatistas, mas os ataques de extremistas budistas aos muçulmanos continuam.

O caso cingalês pode ter influência no radicalismo de Mianmar, uma vez que alianças internacionais estavam entre as propostas do grupo, continua. Sobre os últimos embates em Mianmar, Usarski diz que motivações econômicas e sociais (Mianmar passou por uma transição política de 2011), além do fortalecimento de um discurso global anti-Islã, são ingredientes importantes na eclosão dos conflitos. Em meio a esse cenário, ele destaca a criação do Movimento 969, fundado pelo monge radical Ashin Wirathu, que se autointitula "Bin Laden birmanês".

Eles alegam que temem que o budismo, religião nacional em Mianmar, está correndo riscos. Essa retórica faz sucesso na população de leigos que já têm uma convivência problemática com muçulmanos, por outras razões, como as econômicas elucida, enfatizando, porém, que há resistência a esses grupos mesmo entre budistas. Religião alguma é totalmente pacifista. Há sempre tradições ambíguas dentro dos seus repertórios.
Budistas brasileiros rechaçam a violência do grupo birmanês. Mesmo adeptos de escolas predominantes em Sri Lanka e Miamar, como a Sociedade Budista do Brasil, alinhada à teravada, dizem discordar do radicalismo.
Toda religião tem extremismos, mas, no caso do budismo, isso é totalmente contra a doutrina, que prega a não raiva, a não provocação. Esses extremistas podem ser budistas de carteirinha, mas duvido que se sentem, pratiquem a meditação e revisem suas mentes afirma José Arlindo Bezerra, membro da sociedade.

Consultor da Associação Brasil Soka Gakkai Internacional, organização ligada ao budismo japonês nitiren, Pedro Paulo da Silva afirma que, em todas as ramificações da religião, o ensinamento é de não perseguição e tolerância.
Casos como esse são manifestações da escuridão fundamental que todo ser humano tem. Mas, o que o budismo prega é que todos devem revelar seu potencial positivo argumenta, contando que violência praticada por monges no exterior costuma ser seguida de perguntas de curiosos "É esse o grupo ao qual você pertence?". Explico que o fundamento do budismo nitiren é o respeito à dignidade humana.

O monge Jyunsho Yoshikawa, do chamado budismo primordial, faz eco:
Isso que estão praticando não é budismo. O ensinamento da religião é que a iluminação é para todos, independentemente de religião, raça, orientação sexual. Através da prática, é possível ter equilíbrio. Essas pessoas estão escolhendo outros caminhos.


O budismo militante


Mianmar: Desde a década de 1990, o Movimento 969 e o Exército Democrático Budista dos Karen realizaram uma onda de ataques terroristas anti-islâmicos, que resulta na perseguição à minoria muçulmana rohingya. O governo, que não reconhece o grupo como minoria, é acusado de estimular os ataques.

Sri Lanka: Desde a guerra civil, entre 1983 e 2009, monges estimulam a luta contra os separatistas da etnia tâmil. Nos últimos anos, o grupo nacionalista budista Bodu Bala Sena tem realizado ataques a capelas cristãs e a propriedades de muçulmanos. O governo também é usado para destruir templos, inclusive hindus e mesquitas.

Tailândia: Nos anos 1970, durante a Guerra do Vietnã, grupos de monges budistas defendiam que matar comunistas não violava os preceitos da religião. Em 2004, o movimento budista militante voltou a ganhar força com a insurgência islâmica no Sul do país, onde os muçulmanos são maioria. O governo transformou monastérios em postos militares e incentivou a criação de milícias budistas.

Butão: Até 2008, o governo butanês restringia a construção de templos não budistas e a entrada de missionários estrangeiros. Desde o começo dos anos 1990, mais de cem mil pessoas da minoria hindu foram expulsas para o Nepal e a Índia, devido a uma limpeza étnica promovida pelo governo.

Japão: Guerreiros budistas existem no Japão desde o período Heian (794-1185). Durante o século XX, instituições zen budistas legitimaram o militarismo expansionista do país tanto na Guerra Russo-Japonesa (1904-1905) como na Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Mais tarde, várias pediram desculpas pelo papel que desempenharam.

Tibete: Tensões entre os nativos tibetanos, que professam o budismo, e os membros de outras etnias, sobretudo os hui muçulmanos, têm levado a confrontos. Em 2012, uma multidão de cerca de 200 monges surrou um grupo de huis, em retaliação ao pedido da minoria de construção de uma mesquita.

Cenas de uma barbarie praticados por mongens budistas de Mianmar.
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