Sexismo e misogínia no cristianismo, como a sociedade constrói sujeitos machistas sob a égide do patriarcado.
Basta
dar uma rápida olhada nos textos escritos pelos primeiros cristãos para
perceber como era forte a visão da mulher como “isca de Satanás” e “portão do
diabo”. Cipriano (bispo do séc. III), por exemplo, dizia que os demônios
ensinaram as mulheres.
a
pintar os olhos espalhando uma substância negra ao seu redor, e a tingir as
bochechas com um enganoso vermelho, e a mudar o cabelo com cores falsas, e a
expulsar toda a verdade do rosto e da cabeça com o ataque de sua corrupção (Do
vestuário das virgens, 14).
A escritura
cristã proclama: “A mulher aprenda em silêncio, com toda a sujeição. Não
permito, porém, que a mulher ensine, nem use de autoridade sobre o marido, mas
que esteja em silêncio” (I Timóteo 2:11-12). Na igreja, Deus designa papéis
diferentes a homens e mulheres. Isto é resultado da forma como a humanidade foi
criada (I Timóteo 2:13) e da forma pela qual o pecado entrou no mundo (II
Timóteo 2:14). Deus, através do Apóstolo Paulo, restringe as mulheres de
exercerem papéis de ensino e/ou autoridade espiritual sobre os homens. Isto
impede as mulheres de servirem como pastoras, o que definitivamente inclui
pregar, ensinar e ter autoridade espiritual sobre os homens.
Há muitas
“objeções” a esta visão de mulheres no ministério. Uma objeção comum é que
Paulo restringe as mulheres de ensinar porque, no primeiro século, as mulheres
tipicamente não possuíam uma educação formal. Entretanto, I Timóteo 2:11-14 em
nenhum momento menciona a posição acadêmica. Se a educação formal constituísse
uma qualificação para o ministério, a maioria dos discípulos de Jesus
provavelmente não teria sido qualificada. Uma segunda objeção comum é que Paulo
restringiu apenas as mulheres de Éfeso de poderem ensinar (I Timóteo foi
escrito a Timóteo, o qual era pastor da igreja em Éfeso). A cidade de Éfeso era
conhecida por seu templo a Ártemis, a Deusa greco-romana. As mulheres
eram a autoridade na adoração a Ártemis. Entretanto, o livro de I Timóteo em
momento algum menciona Ártemis, tampouco Paulo menciona a adoração a Ártemis como
razão para as restrições em I Timóteo 2:11-12.
Uma
terceira objeção comum é que Paulo estivesse se referindo apenas a maridos e
esposas, não a homens e mulheres em geral. As palavras gregas em I Timóteo
2:11-14 poderiam se referir a maridos e esposas, entretanto, o significado
básico das palavras se refere a homem e mulher. Além disso, as mesmas palavras
gregas são usadas nos versículos 8-10. Apenas os maridos devem levantar as mãos
santas em oração sem iras ou contendas (verso 8)? Somente as esposas devem se
vestir com recato, com boas obras e adoração a Deus (versos 9-10)? Claro que
não! Os versículos 8-10 se referem claramente a homens e mulheres em geral, não
apenas a maridos e esposas. Não há nada no contexto que possa indicar uma
mudança para maridos e esposas nos versos 11-14.
Mais uma
objeção frequente a esta interpretação sobre mulheres no ministério é em
relação a mulheres que ocupavam posições de liderança na Bíblia, principalmente
Miriã, Débora e Hulda no Antigo Testamento. Esta objeção falha em perceber
alguns fatores relevantes. Primeiro, Débora era a única juíza entre 13 juízes
homens. Hulda era a único profeta mulher entre dúzias de profetas homens
mencionados na Bíblia. A única ligação de Miriã com a liderança era por ser
irmã de Moisés e Arão. As duas mulheres mais importantes do tempo dos reis
foram Atalia e Jezabel
Inicialmente
o cristianismo era um movimento milenar que pregava a salvação das almas. Para
se prepararem para o juízo final, que não viria longe, muitos abandonavam bens,
profissões, não casavam para se juntarem ao movimento, juravam castidade, ou
mesmo, quando casados, levavam vidas de abstinência sexual.
Não foi por
mero acaso que as hostes cristãs foram engrossadas, sobretudo por mulheres e
escravos, socialmente marginalizados, eram quem tinha mais a ganhar com este
tipo de moralidade sexual. Para mulheres de todas as classes sociais o celibato
era quase uma bênção, pois representava uma possibilidade de liberdade que, de
outro modo, não podiam antever. Se a sexualidade impunha e reforçava a
hierarquia social e um estatuto desigual, evitar a sexualidade negá-la,
equivalia em certo sentido a negar essa desigualdade:
” Para
escravos e mulheres de todas as classes, no mundo antigo, a escolha do celibato
significava uma liberdade que de outra maneira não conseguiriam. Escapar à
sexualidade significava libertar-se de um estatuto servil no qual mulheres e
escravos viviam para conveniência dos maridos, pais, senhores, e governantes.”
(Hard Bargaisn)
Claro que,
como a autora de Hard Bargains insiste, o celibato só apresentou esta vantagem
para as mulheres porque era defendido num contexto de desvalorização do físico
e de enaltecimento do espiritual, se este não tivesse sido o contexto, as
mulheres seriam desvalorizadas e ainda ficariam mais a mercê dos homens porque
só seriam vistas como necessárias no contexto do casamento heterossexual. Mas esta moral igualitária veio a ter de fazer concessões à sociedade real, afinal o "mundo" não acabava, como os milenaristas profetizavam, e os sacríficios perdiam sentido. Assim, quando finalmente o cristianismo se transformou na religião oficial do Império Romano do Ocidente, teve de fazer concessões politicas e de se harmonizar com os interesses da sociedade patriarcal, retirando completamente às mulheres alguma autonomia ou vida pública que inicialmente lhes conferira.
Não deixa
todavia de ser interessante saber que potencialmente, até em relação às
mulheres, o cristianismo se assumiu como uma ideologia progressista, pena é que
rapidamente tenha degenerado, colocando-se ao serviço dos senhores de sempre.
“lógica da dominação masculina”. “O homem se autocompreende como quem ‘é’, sendo que as mulheres, nas visão machista, ‘não são’. Nesta lógica, que é a do que ainda podemos chamar de ‘patriarcado’, os homens se entendem como ‘sujeitos’ e as mulheres, como ‘objetos’. Pode parecer engraçado, mas para um homem machista esse tipo de campanha soa como ‘pedras estão falando’. As mulheres não têm o direito de denunciar essa lógica. Se o fazem são tratadas mal porque atrapalham o silêncio, que é uma arma importante da lógica da dominação masculina no seu processo de automanutenção”
Marcia Tiburi
Nenhum comentário:
Postar um comentário