O
Entendimento da formação da identidade da sociedade malê construída pelos
participantes do Levante 1835 passa pela compreensão do modo como os
pré-condicionantes étnicos e históricos do passado distante destes grupos
africanos estavam personificados no interior da sociedade baiana, no momento da
eclosão da rebelião. Para tanto, voltemos ao contexto da vinda destes escravizados
para a Bahia.
No
inicio do século XIX, a África ocidental foi abalada por violentas guerras
civis e religiosas, que convulsionaram o Império de Oyó e o território haussas,
produzindo inúmeros escravizados em ambos os lados dos conflitos. Quando estes escravizados
chegaram a Bahia, muitos já possuía na sua cultura um forte conhecimento islâmico,tingido
muitas vezes de cores étnicas.
Assim,
categorias genéricas, como malê, usado indistintamente para qualificar qualquer
africano a que fosse muçulmano, funcionavam apenas para representar os iorubás
convertidos ao islamismo, pois, outros grupos, igualmente islâmicos, como os
haussás, se autodenominavam mulssumi, e há fortes indícios de que eles até
abominavam o empréstimo lingüístico iorubá para descrêve-.los . Vale a pena
lembrar que haussás mulssumi escravizados que haviam lutado ao lado do Kakanfo
Afonjá pelo poder central de Òyó Ile, voltaram-se contra este e mesmo contra
iorubás malês, durante aquela guerra civil. Não é difícil imaginar quão
presente o passado africano se fazia em Salvador, e o quanto isto foi responsável
pela fissura étnica no seio da comunidade afro muçulmana da Bahia.
Mesmo
entre os falantes da língua iorubá
denominados nagôs quando chegavam à Bahia avia uma dissensão interna entre o grupo. Os
nagôs, adeptos das religiões tradicionais, tal como os malês, que no contexto
africano eram abertos ao sincretismo religioso do culto aos orixás, recebiam o
nome de kaferé palavra iorubá que quer dizer"infiel" e eram tratados
como nagôs de " , segunda categoria"
Embora
pequena e com grau de comprometimento religioso variado, a comunidade afro
muçulmana formava majoritariamente por Iorubás , seguidos em numero por
Haussás, Tapas e pela minúscula etnia Fulani representava cerca de 15 a 20% do
total dos africanos na Bahia.” na melhor das hipóteses, o Islã representava na
Bahia, um concorrente de peso ao culto aos Orixás Iorubás dos Voduns Jejes, dos
Isoko Haussás, dos Iquinices Agolanos, entre outras expressões da religiosidade
africana tradicional.
Somam-se
os santos do catolicismo “Crêoulo” também abraçados por africanos e terá uma
idéia do pluralismo religioso no seio da população africana e afro baiana
naquela época “(reis :2004,p.177). Muitos africanos provavelmente circulavam em
mais de um meio religioso na Bahia
As
únicas etnias que parecem ter abraçado majoritariamente o Islamismo na África,
foram aquelas vindas do território haussá, muito provalvelmente de Nupe e Borno
embora haussás "menos ortodoxos
" agregassem ao Islamismo aspectos do culto aos espíritos ancestrais
denominado Bori.
Entre
os iorubás, apenas uma pequena parcela do grupo era mulçumana a grande maioria
formada por praticantes do candomblé de orixás, isto quando não combinavam
aspectos das duas religiões em suas práticas religiosas cotidianas. Apoiadas
nas estruturas organizacionais e ideológicas das religiões africanas, em
especial o Islamismo, e na identidade étnica de seus participantes, o núcleo de
rebelde foi capaz de criar uma rede de informantes e coordenadores avançados.
Formadas
por escravos urbanos e africanos livres e libertos, que se valia de suas
relativas autonomia para estabelecer a ligação entre o núcleo organizativo da
rebelião e a massa de escravizado do interior do recôncavo Para tanto, contavam
com o proselitismo religioso de velhos méstres muçulmanos alufás, entre os
nagôs e malãm entre os haussás , que no bojo dos ensinamentos religiosos
ofereciam um suporte ideológico capaz de canalizar O sentimento de revolta e
desejo de liberdade dos africanos em torno do ideal de rebelião. Apesar dos
alufás nagôs gozarem de grande prestígios entre a população africana, é provável
que frações étnicas entre os muçulmanos haussás mulssumi se submetessem à
liderança espiritual e politica dos mestres nagôs o que explica a baixa
presença haussá na rebelião, embora fossem apontados pelas autoridades
policiais como potenciais culpados devido a sua tradição rebelde na Bahia.
Os
Malês homens pretos altivos e orgulhosos, nunca aceitaram a escravização nem a
imposição a eles da falsa identidade negra, tanto pelos brancos quanto pelos
outros. Sempre se diziam africanos de origem Iorubá.